Contribuições financeiras, finanças locais e taxa municipal de protecção civil
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25 Julho, 2018Sabemos o que são impostos e o que são taxas, mas quanto ao que sejam contribuições financeiras vai por aí uma grande confusão. Impacto na lei de finanças locais e na taxa municipal de protecção civil.
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O actual art. 165.º, n.º 1, al. i), da CRP coloca na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”. Já a LGT, nos seus arts. 3.º e 4.º, indica apenas as classificações de tributos (“a) Fiscais e parafiscais; b) Estaduais, regionais e locais” (n.º 1); que “compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (n.º 2)).
Ou seja, quer da letra da lei, quer da Constituição, não resulta claro o que seja uma contribuição, por contraposição aos impostos e taxas.
No seu Acórdão n.º 152/2013, o TC vem esclarecer como segue:
“o campo das receitas coativas do Estado foi durante muito tempo doutrinal e jurisprudencialmente pautado por uma visão dicotómica, nos termos da qual haveria que reconduzir a receita em causa, para efeitos de apuramento do cumprimento das exigências associadas ao princípio da reserva de lei, à categoria das taxas ou à categoria dos impostos. Pois bem, é sobejamente reconhecido que a diferenciação entre imposto e taxa reside na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: o imposto tem uma estrutura unilateral, enquanto a taxa apresenta uma estrutura bilateral ou sinalagmática. Esta estrutura bilateral deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduz e que consiste ou na prestação de um serviço público, ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares (as chamadas “taxas de licença”)”; “A revisão constitucional de 1997 contribuiria decisivamente para o claudicar da visão dicotómica enunciada, lançando no quadro das receitas coativas o “tertium genus” que as demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas indiscutivelmente representa”.
“Alguma doutrina evidencia o caráter “híbrido” desta terceira espécie, que se aproxima dos impostos – em função da ausência de uma contrapartida individualizada – mas também das taxas – já que visa retribuir o serviço prestado por uma entidade pública a um conjunto homogéneo de entidades – reconduzindo-se, nessa medida, ao conceito de parafiscalidade”.
Trata-se, porém, de uma categoria dotada de grande heterogeneidade, onde, para alguns, cabem figuras tão díspares como as contribuições para a segurança social, as taxas de regulação económica, os tributos associativos devidos às ordens profissionais e até os modernos tributos ambientais e impostos especiais pelo consumo (SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, cit., p. 223 e ss.). Para outros, as contribuições financeiras ligam-se a três tipos de tributos: as contribuições financeiras propriamente ditas, que valem como “instrumentos de financiamento de novos serviços de interesse geral”, as contribuições parafiscais, que se destacam como “instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários”, e ainda as contribuições extrafiscais, que servem como “instrumentos de orientação de comportamentos” (neste sentido, SUZANA TAVARES DA SILVA, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., no prelo, pp. 78 e ss.)”.
Ou seja, sabemos o que são impostos e o que são taxas, mas quanto ao que seja uma contribuição vai por aí uma grande confusão… Por mim, sigo o critério do TC no Acórdão n.º 539/15: serão contribuições financeiras os tributos que visam a “compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica”, como sucede quando “a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários” ou quando “a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir”.
Ou seja, na minha perspectiva, e de forma simplificada, uma contribuição financeira é uma espécie de “taxa colectiva”, em que a contrapartida beneficia um grupo específico de sujeitos de forma difusa, e que, por isso, esses sujeitos são chamados a suportar.
O problema é que, no Acórdão do TC n.º 539/15 admitiu-se o seguinte:
“A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras.”
O que significa que a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República permite ao Governo, ou a outro ente público licitamente habilitado para o efeito (como será o caso das autarquias a ser aprovado o aditamento ao artº 14º da LFL) aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas (sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respectivo diploma.
Ou seja: as contribuições, que não são taxas, mas também não são impostos, poderão ser criadas pelas autarquias caso seja aprovado o aditamento ao artº 14º da LFL.
No que respeita à polémica da TMPC, não é evidente que este aditamento resolva o problema, i.e, que torne constitucional a TMPC tal como a mesma foi originalmente prevista. Com efeito, no Acórdão do TC nº 848/2017, em que se declara a inconstitucionalidade da TMPC de LX, o que o Tribunal diz é o seguinte:
“(…) o regime das finanças locais continua a ser reservado à competência legislativa da Assembleia da República (artigos 165.º, n.º 1, alínea q), e 238.º, n.ºs 2 e 4), verificando-se que o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro) não prevê, sequer, as contribuições financeiras como receitas municipais – o que comprova, também por esta via, que o RGTPRML, na parte respeitante às normas em análise, e ainda que se pudesse entender que as mesmas contemplam uma contribuição financeira, teria invadido a reserva de competência da Assembleia da República.”
Ou seja, ainda que com o aditamento ao artº 14º da LFL possa ficar resolvida a questão da competência das autarquias para o lançamento de contribuições financeiras, falta esclarecer se a TMPC, da forma como foi consagrada pela Câmara de Lisboa e levada ao juízo do TC, pode ser qualificada como contribuição financeira.
Em minha opinião, e tendo em conta a fundamentação do TC ao negar a natureza de taxa ao TMPC, penso que a actual configuração da TMPC vai no sentido de a mesma ser qualificada como imposto e não como contribuição financeira – designadamente porque o TC entendeu, no mencionado Acórdão 848/2017, que:
“A incidência da TMPC revela uma estrutura análoga ao IMI, como justamente observou o Requerente. A sobreposição dos regimes é inegável – ambos os tributos incidem sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis e o sujeito passivo da TMPC é determinado por remissão para as regras do IMI. Tal semelhança estrutural não é inócua. Ela revela que o tributo não assenta na correlação económica das prestações – e, nessa medida, prescinde do nexo característico dos tributos bilaterais, já que não pode guiar-se por uma ideia de proporcionalidade entre elas –, mas sim (e inequivocamente) na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada pela titularidade do direito sobre os prédios.”
Ou seja, parece que para o TC a TMPC tem carácter unilateral e, por isso, é um imposto.