A Possível Baixa do IVA nos Alimentos Essenciais – Artigo João Espanha
ImpostosMedia
28 Março, 2023A Possível Baixa do IVA nos Alimentos Essenciais:
Permitirá de facto baixar preços ou a redução acabará por ser incorporada sem benefícios para os consumidores?
A redução da taxa do IVA aplicável a determinados produtos pode beneficiar quer o vendedor quer o consumidor final.
Na verdade, o IVA é sempre suportado pelo consumidor final, pois os comerciantes deduzem o IVA a montante e apenas entregam ao Estado a diferença entre o IVA que lhes é cobrado pelos seus fornecedores e o IVA que, por sua vez, cobram ao consumidor final, sendo este o sujeito material do imposto total.
Quando a venda de um dado produto é sujeita a uma taxa inferior à normal, o primeiro beneficiado é o vendedor, pois embora esse produto lhe seja vendido à mesma taxa reduzida, há um sem número de custos gerais (bens e serviços) que ele adquire à taxa normal e sobre os quais suporta IVA. Assim, vai ter um pouco mais de IVA a deduzir, pelo que terá de entregar menos ao Estado. Por sua vez, o consumidor também beneficia, pois o produto que vai adquirir não só acaba por sair mais barato ao vendedor (por causa de este ter de entregar menos imposto ao Estado), como será ele próprio sujeito a uma taxa inferior – pelo que só por isso o produto deverá ver o seu preço reduzido. O único que perde é o Estado, pois a receita fiscal diminui. Contudo, a verdade é que o Estado tem ganho muitos milhões com o aumento do IVA induzido pela inflação, por isso tem condições para suportar este esforço.
O problema é quando o vendedor decide capturar a redução do IVA – para o que lhe basta manter o preço final ao consumidor do produto em causa.
Vamos supor que o produto custa um euro. À taxa normal (23%), o consumidor paga € 1,23, à taxa reduzida (6%) paga € 1,06. Mas se a taxa for reduzida e o preço se mantiver a € 1,23, o consumidor paga o mesmo, mas o proveito do vendedor aumenta de € 1,00 para € 1,17. Isto aconteceu com frequência no caso do IVA na restauração, nos ginásios , etc., sendo que no caso da restauração a intenção manifesta e confessa do Governo foi aumentar a rentabilidade dos comerciantes e não a redução de preços – pelo que nada havia que fazer.
Caso o Governo decida reduzir a taxa de IVA nos bens essenciais para controlar a subida dos preços, não pode ficar parado. Tem de tentar garantir, junto dos comerciantes, que haverá uma efectiva redução do preço, para o que deverá colaborar com estes solicitando-lhes o compromisso firme de que não vão capturar esse diferencial da taxa de IVA. O controle poderá ser feito através de uma análise fina da formação do preço de cada produto no decurso do tempo, pois os preços continuarão a aumentar por força da inflação a montante.
Ou seja: quando o objectivo da redução da taxa de IVA é beneficiar o consumidor, o Governo não pode deixar andar, mas também não pode impor – tem de conseguir a colaboração e o compromisso dos comerciantes para que o preço seja monitorizado e se demonstre que a redução da taxa se repercute no preço final ao consumidor.
Como é que se conseguiria fiscalizar a aplicação de uma medida destas?
Creio que tal só será possível com a colaboração dos comerciantes – mais concretamente, das suas associações, e sempre numa perspectiva macro. Como acima referi, o controle poderá ser feito através de uma análise fina da formação do preço de cada produto no decurso do tempo, pois os preços continuarão a aumentar por força da inflação a montante.
A formação do preço de um dado produto é demasiado complexa para que seja avaliada por inspectores das Finanças através da consulta do SAFT…
Na ótica fiscal o que era melhor para ajudar as famílias mais afetadas pela subida da inflação?
O IVA é um imposto com efeito regressivo. Isto quer dizer que dói mais aos mais carenciados, pois a maior parte do seu rendimento (senão a totalidade) é gasto com consumos de bens essenciais, consumos esses que não podem ser comprimidos ou adiados. Quem ganha mais pode adiar consumos ou optar por produtos mais baratos, amortecendo assim o efeito do IVA. Os mais pobres não conseguem – e por isso se diz que o imposto é regressivo, pois os mais pobres pagam muito mais IVA na proporção do seu escasso rendimento.
Na perspectiva tributária, não vejo melhor medida, para reduzir o esforço fiscal dos mais desfavorecidos e aumentar o seu rendimento disponível, do que baixar a taxa de IVA nos produtos essenciais. Convirá, como referi, que o Governo colabore com os grandes distribuidores para que estes demonstrem que não capturam a redução da taxa, pois nada lhes pode impor – e ainda bem.
Fora da esfera tributária, temos sempre a subsidiação dos mais desfavorecidos, que é sempre uma possibilidade. De rejeitar liminarmente é a fixação administrativa de preços – medida que só aqueles que adorariam viver num país de lojas estatais com prateleiras vazias conseguem defender.